sexta-feira, 20 de junho de 2008

DECISÕES COM MÚLTIPLOS CRITÉRIOS: PORQUE O MÉTODO AHP, EMBORA MATEMATICAMENTE ERRADO, DEVE CONTINUAR A SER USADO AINDA POR ALGUM TEMPO

Este texto tem fundamentalmente como base o artigo de Gomes (2003). Uma apresentação conceitual do método AHP pode ser encontrada em Gomes (2007), ao passo que uma apreciação técnica do mesmo, bem como de algumas de suas variantes, acha-se em Gomes, Araya e Carignano (2004).
O método AHP (Analytic Hierarchy Process), bastante usado no Brasil e restante do mundo em avaliações de natureza estratégica desde os anos oitenta [Saaty (1991)], tem sido objeto de críticas surgidas na literatura principalmente desde a década de oitenta. Goodwin e Wright (2000) resumem as críticas sobre o AHP em seis tópicos descritos a seguir:
1) Conversão da escala verbal para numérica – Agentes de decisão usando o método verbal de comparação terão seus julgamentos automaticamente convertidos para uma escala numérica, mas a correspondência entre as duas escalas é baseada em pressupostos não testados. Por exemplo, se A é julgada fracamente mais importante que B, o AHP assumirá que A é considerado três vezes mais importante, mas este pode não ser o caso. Muitos autores têm argumentado que um fator de multiplicação de 5 é muito alto para expressar a noção de preferência forte.
2) Inconsistências impostas pela escala de 1 a 9 – Em alguns problemas a restrição de comparações par a par sobre uma escala de 1 a 9 força o agente de decisão a cometer inconsistências. Por exemplo, se A é considerado 5 vezes mais importante que B e B é 5 vezes mais importante que C, então para ser consistente A deveria ser 25 vezes mais importante que C, mas isto não é possível. Esta crítica também é citada no artigo de Barzilai (2001), no qual ele ressalta a limitação da flexibilidade na obtenção das entradas do agente de decisão.
3) Significado das respostas às questões – Os pesos são obtidos sem referência às escalas nas quais os atributos são medidos, podendo significar que as questões são interpretadas de modos diferentes, e possivelmente errados, pelos agentes de decisão. Lootsma (1990) observou a dificuldade que os agentes de decisão encontram para escolher uma dentre as qualificações verbais para expressar suas preferências por uma entre duas alternativas, principalmente quando suas performances são expressas em valores físicos ou monetários.
4) Novas alternativas podem reverter o ranking das alternativas existentes – Esta crítica foi anteriormente citada por Belton e Gear (1982), Dyer e Ravinder (1983), Lootsma (op. cit.) e vários outros autores. Saaty e Vargas (1984) responderam à esta crítica alegando a legitimidade da reversão de ranking, o que foi novamente comentado por Belton e Gear (1985). Foi proposta uma solução para o problema no artigo de Dyer (1990). Por exemplo, suponha que se deseja escolher uma localização para um novo escritório de vendas e os pesos obtidos pelo método fornecem a seguinte ordem de preferência: 1. Albuquerque, 2. Boston e 3. Chicago. Entretanto, antes de se tomar a decisão um novo local em Denver é descoberto e o método é repetido incluindo-se esta nova opção. Mesmo que se mantenha a importância relativa dos atributos, a nova análise fornece a seguinte ordem: 1. Boston, 2. Albuquerque, 3. Denver e 4. Chicago, revertendo o ranking de Albuquerque e Boston. Este problema resulta do modo no qual os pesos são normalizados para somar 1.
5) O número de comparações requeridas pode ser grande – Enquanto que a redundância existente dentro do AHP é uma vantagem, ela também pode requerer um grande número de julgamentos pelo agente de decisão. Por exemplo, um problema com 7 alternativas e 7 atributos vai requerer 168 comparações par a par, o que pode dificultar a aplicação do método.
6) Os axiomas do método – Dyer (op. cit.) argumentou que os axiomas do AHP não são fundamentados em descrições do comportamento racional passíveis de teste, o que foi alvo de resposta por parte de Harker e Vargas (1987) .
Bana e Costa e Vansnick (2001) propuseram em seu artigo uma das críticas mais contundentes ao AHP, descrevendo um problema que ocorre no cálculo do vetor de prioridades, mais especificamente nas escalas derivadas do método, a partir da matriz positiva recíproca que é preenchida após os questionamentos feitos ao agente de decisão. Tal problema implica fundamentalmente na quantificação das prioridades e não na ordem em que as alternativas são priorizadas. Outro ponto também ressaltado no trabalho de Bana e Costa e Vansnick (op. cit.) é que o coeficiente de inconsistência proposto por Saaty não é capaz de detectar tal situação.
Mesmo sendo um método de apoio multi-critério à decisão tecnicamente controvertido, é inegável o valor do AHP como ferramenta para construir-se um modelo requisito básico [Phillips (1982), (1983)] para um problema decisório, através do estabelecimento de uma estrutura hierárquica de critérios. Nesta medida, é perfeitamente justificável o uso do método AHP, desde que se tenha em mente suas potenciais limitações. O problema é que, na realidade, são relativamente poucos os usuários do AHP que entendem tais limitações.
Conheço o método AHP – e seu criador, Thomas L. Saaty, desde os anos 70, quando ainda era estudante de doutoramento na Universidade da Califórnia, em Berkeley, E.U.A. Infelizmente, o que tenho percebido é que, na prática, as pessoas se encantam com o AHP, até porque jamais viram algo semelhante antes. Além disto, as pessoas passam a usar o AHP por meio de softwares comerciais, sem entender os cálculos matemáticos subjacentes e, em particular, o Teorema de Perron-Frobenius, que consiste no cerne de tais cálculos [Saaty (op. cit.)]. Em geral, desconhecem também todo e qualquer outro método para apoiar processos decisórios na presença de múltiplos critérios, tanto MAUT, como os ELECTRE, os PROMÉTHÉE etc, etc.
Referências:
Bana e Costa, Carlos António & Vansnick, Jean-Claude (2001). Une critique de base de l’approche de Saaty: mise en question de la méthode de la valeur propre maximale. Cahier du LAMSADE, Université Paris-Dauphine.
Barzilai, Jonathan (2001). Notes on the Analytic Hierarchy Process. NSF Design and Manufacturing Research Conference. Tampa, Florida.
Belton, Valerie & Gear, Anthony E. (1982). On a Short-coming of Saaty’s Method of Analytic Hierarchies. Omega, Vol. 11, No. 3, pp. 226-230.
Belton, Valerie & Gear, Anthony E. (1985). The Legitimacy of Rank Reversal – A Comment. Omega, Vol. 13, No. 3, pp. 143-144.
Dyer, James S. & Ravinder, H. V. (1983). Irrelevant Alternatives and the Analytic Hierarchy Process. Working Paper. The University of Texas: Austin.
Dyer, James S. (1990). Remarks on the Analytic Hierarchy Process. Journal of The Institute do Management Sciences, Vol. 36, No. 3, pp. 249-258.
Gomes, L.F.A.M.(2003) Avaliações Estratégicas com Múltiplos Critérios: Porque o Método AHP Deve Continuar a Ser Usado. Visão Estratégica, Sessão Decisão, v. 1, 22 maio.
Gomes, L. F. A. M. Teoria da Decisão. São Paulo: Thomson Learning, 2007.
Gomes, L. F. A. M.; Araya, M. C. G.; Carignano, C. Tomada de decisões em cenários complexos: introdução aos métodos discretos do apoio multicritério à decisão. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.
Goodwin, Paul & Wright, George (2000). Decision Analysis for Management Judgment, segunda edição. Nova York: Wiley.
Harker, Patrick & Vargas, Luis G. (1987) The Theory of Ratio Scale Estimation: Saaty’s Analytic Hierarchy Process. Management Science, Vol. 33, No. 11, pp. 1383-1403.
Lootsma, Freerk A. (1990). The French and the American School in Multi-criteria Decision Analysis. Operations Research, Vol. 24, No. 3, pp. 263-285.
Phillips, Lawrence D. (1982). Requisite Decision Modelling. Journal of the Operational Research Society, 33, pp. 303-312.
Phillips, Lawrence D. (1983) A Theory of Requisite Decision Models. Acta Psychologica, 56, pp. 29-48.
Saaty, Thomas L., Vargas Luis G. (1984). The Legitimacy of Rank Reversal. Omega, Vol. 12, No. 5, pp. 513-516.
Saaty, Thomas L. (1991) Método de Análise Hierárquica. Tradução de Wainer da Silveira e Silva. Rio de Janeiro: Makron/McGraw-Hill.

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